segunda-feira, 1 de julho de 2013

Meditação sobre a poesia - palestra, Dezembro de 1952










Faro - Recordações de um passado longínquo - A actividade funcional da cidade



Faro - Recordações de um passado longínquo (continuação)


e) A actividade funcional da cidade

A população abastecia-se de água tirada de poços públicos que havia distribuídos pela cidade: o poço de S. Pedro, o de S. Sebastião, o do largo do Pé-da Cruz, o do caminho de ferro situado num caminho que corria a leste da casa de recolha das máquinas, e ainda o da Ribeira provido de bombas instaladas, nos primeiros anos séculos, junto da doca e a sul do Repeso do Carvão. Havia ainda noras, situadas no arrabalde, que contribuíam para o abastecimento citadino: a da horta do Peres, no Bom-João e a da horta do Cachola no início da entrada de Ilhão, numa quinta contígua à Vila Pinto. Muitas pessoas abasteciam-se directamente nos poços indicados, mas havia profissionais da distribuição da água – eram os “aguadeiros” que utilizavam para o efeito cântaros metálicos ou de barro transportados em carros apropriados. A água do Peres e a do Cachola era mais cara, nem só pela distância do centro citadino a que estavam esses poços, mas ainda pela fama de boa qualidade que essas águas possuíam. Mais ou menos em 1914 ou 15, um comerciante de iniciativa mandou abrir um poço no sítio do Bom-João cuja água era conduzida por um sistema de canalizações para um centro fornecedor situado junto ao largo do Pé-da Cruz e ainda para outro centro situado junto da doca para fornecimento aos barcos. O comerciante Machado conseguira, assim, dar uma solução quase perfeita  a um problema que se impunha resolver.
Quanto havia incêndios na área da cidade ou no arrabalde, o sino do arco da vila tocava a rebate. A pequena cidade entrava em alvoroço: acorriam muitas pessoas e os aguadeiros lá iam também para abastecer os depósitos das bombas utilizadas pelos bombeiros.
Além de pequenos estabelecimentos de venda de frutas, hortaliças, vinho e, muitas vezes, carvão de madeira, havia junto do Hospital da Misericórdia, um mercado – a “praça da verdura”, no local onde hoje se situa o banco de Portugal; e junto da doca, a SW, erguia-se a “praça do peixe”. O abastecimento da população citadina era ainda feito por vendedores ambulantes que, com os seus pregões anunciadores da mercadoria da mercadoria que traziam, punham uma nota pitoresca no silêncio reinante: eram os vendedores de mariscos, os de frutas, os de hortaliças, os serranos que vendiam mel (“merca meli, oh senhoras!”), os que vendiam louça de barro (“há bô loiça”), os que vendiam óculos e lunetas, os que vendiam tecidos que transportavam às costas, em trouxas (“fino”); pela tarde, pachorrentas, chegavam as vacas leiteiras e, pelo caminho, os camponeses que as conduziam iam vendendo copos de leite ordenhado em plena rua. Outra fonte de abastecimento situava-se nas estalagens da Rua do Peixe-Frito, onde ao princípio da noite chegavam carregamentos de caça, trazida da serra ou do Barrocal e transportada ao dorso de muares.
A vasta zona hortícola que se estende a norte dos morros areníticos que circundam a urbe e por onde em tempos remotos se distribuíam esteiros lagunares era já nos princípios do século o principal foco de abastecimento da praça da verdura. De manhã cedo, filas de pequenos carros de tracção animal e de burros dirigiam-se carregados para o referido mercado. Pelo dia, o silêncio citadino era interrompido pela sineta da praça do peixe que anunciava, para efeitos da lota, a chegada de barcos carregados de pescado.
A cidadezinha de proprietários rurais, de funcionários do Estado ou do Município e de artífices não possuía instalações fabris importantes além da fábrica de moagem perto da estação ferroviária, da de cortiça, instalada no antigo convento da Srª da Assunção, de uma outra também de cortiça na entrada da Srª da Saúde, de uma de conservas de peixe no largo de S. Francisco, junto da muralha e de uma grande estância de madeiras e serração no largo do Carmo. Espalhadas pela cidade, existiam pequenas oficinas artesanais: na rua da Carreira (hoje Infante D. Henrique), que era uma via de acesso e de saída da povoação, a seguir ao grande prédio da Casa de Saúde para doentes sifilíticos, onde actualmente estão instalados parte dos serviços das Caixas de Previdência, havia uma oficina de segueiro, e, já fora do âmbito urbano, à saída para Loulé, havia as citadas oficinas de carros de carga, de ferreiro e a pequena fábrica de cortiça. Da rua Direita havia três oficinas de latoeiro. Para a época a obra de lata desempenhava funções importantes: os baldes para tirar água, as caldeiras para dar de beber ao gado, os cântaros e muitos objectos de cozinha eram de lata ou de folha de zinco.
Havia então um importante comércio de importação e de exportação que se fazia pelo porto.  Em frente do edifício da alfândega e junto da doca acumulava-se, a sul do barracão de Repeso do Carvão, as mercadorias que iam ser embarcadas ou chegavam. Desde os fins do século XVI, com a decadência do porto de Tavira, o movimento portuário farense acentuara-se. Não obstante o movimento de transportes ferroviários, muitas mercadorias continuavam a ser movimentadas por via marítima. No referido local da beira da doca, nos dois primeiros decénios do século, viam-se acumulados montões de molhos de palma e de esparto, e, em certos dias, havia uma actividade desusada: eram os dias de carregamento de alfarrobas, de amêndoas e de figos, frutos que os comerciantes da rua Direita exportavam para as portas do Norte da Europa e até para os Estados Unidos. Grandes embarcações (as “barcas”) construídas no estaleiro existente a norte da doca, junto à linha férrea, conduziam as mercadorias de ou para fora da barra onde ancoravam os cargueiros de longo curso.
A rua Direita era, então, o foco citadino das relações comerciais com a Inglaterra (Liverpool, Hull), com Anvers, Rotterdam, Amesterdan, Hamburgo, Barcelona, Marselha: além do grande escritório de um componente da numerosa colónia judaica situado no rés-do-chão do palácio Bívar e junto da entrada da rua do Peixe-Frito, mais para norte, havia mais seis escritórios de comércio exportador.


***

As actividades funcionais a que nos referimos eram realizadas à custa de um esforço que se dilatava desde cedo até à noite. Não havia horário de trabalho. Os estabelecimentos comerciais estavam abertos até às 23 horas, pelo que os empregados depois do jantar, que nesse tempo era ao meio da tarde, regressavam às suas actividades. Ao Domingo, dia em que muitos camponeses se deslocavam à cidade para se abastecerem, os estabelecimentos estavam abertos na parte da manhã. Nem os empregados de escritório tinham o Domingo como dia completo de descanso, pois admitia-se que poderia chegar qualquer correspondência a que fosse necessário dar resposta imediata.
Com a implantação da República, os governos foram ao encontro das velhas aspirações dos trabalhadores, decretando-se as oito horas de trabalho e o descanso semanal, disposições que, aplicadas nalguns casos imediatamente, em breve foram sendo esquecidas. Só à custa dos movimentos grevistas do proletariado foram, a pouco e pouco, sendo cumpridas. Em 1920 ainda o velho regime de trabalho estava em uso: nesse ano ainda se viam escritórios comerciais abertos ao Domingo, na parte da manhã e mesmo até ao meio da tarde.
A população que assim trabalhava não dispunha dos meios de distracção que hoje há. O cinema só apareceu pela primeira vez em Faro em 1907 ou 1908. Na praça D. Francisco Gomes, foi erguido, junto da doca, um grande barracão, pintado de vermelhão e iluminado a luz eléctrica produzida por dínamo accionado por um pequeno motor de explosão. Este barracão em breve foi substituído, no mesmo local, por outro com melhores condições pintado de azul-claro, mas que também não teve grande duração, pois em 1910 foi demolido  por causa das festas da cidade e da inauguração do monumento a Ferreira de Almeida. Num dos anos seguintes construiu-se, ainda de madeira, um grande cinema – o teatro-circo – em terrenos da horta da Mouraria o edifício de cinema e teatro ainda hoje existente.
No decurso do primeiro quartel do século havia grupos ambulantes de artistas de teatro que levantavam barracas no largo da Lagoa, onde apresentavam os seus espectáculos ora melodramáticos, ora cómicos e, ao ar livre, pela tarde, na praça D. Francisco Gomes exibiam-se, às vezes, grupos de palhaços. Tais grupos de modestos artistas instalavam-se nas pequenas hospedarias e estalagens da rua do Peixe-Frito. Era também aí que se instalavam os homens dos ursos que, percorrendo as ruas da cidade, faziam bailar estes animais ao som de um pandeiro que percutiam ritmicamente. Aí se instalavam os que percorriam as ruas com os realejos, que eram pequenos pianos instalados sobre um carro puxado por um burro.
Num dos primeiros anos a seguir à implantação da República foi inaugurada na cidade a iluminação eléctrica o que permitiu que, à noite, principalmente as ruas de Santo António e D. Francisco Gomes passassem a ter animação desusada, o mesmo sucedendo com o jardim Manuel Bívar que foi dotado com arcos voltaicos. O caminho-de-ferro, primeiro, a seguir a nova iluminação pública que substituiu a que se fazia com candeeiros de petróleo e o desenvolvimento da viação automóvel foram modificando profundamente a vida citadina.
A povoação silenciosa dos primeiros anos do século, e que assim se mantivera desde tempos remotos, foi cedendo o lugar a um centro populacional de trânsito intenso e cheio de ruídos desagradáveis. Era tal o culto que havia pelo silêncio que a Câmara autorizava que se espalhassem raspas de cortiça diante das residências dos doentes para, assim, ser amortecido o ruído dos carros de tracção animal que passavam.
Com a iluminação nova desaparecia o ambiente romântico das noites luarentas, e os ruídos das actividades novas amorteciam as revoadas sonoras dos sinos das igrejas. Ficara assim perdida nas profundezas do tempo histórico a aldeia grande que a cidade fora durante séculos, com as suas hortas, com os pregões dos comerciantes ambulantes e com as suas ruas ermas e silenciosas.


José Neves                                                       
                                                       

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Faro - Recordações de um passado longínquio - A estrutura social da cidade


Faro - Recordações de um passado longínquo (continuação)


d) Estrutura social da cidade

Depois destas recordações dos factos geográficos citados, debrucemo-nos sobre a estrutura social e sobre a actividade funcional da cidade. No decurso dos oitenta anos do século, a evolução social, embora não se tenha traduzido pelo desaparecimento de classes de base económica, tem conduzido, ao aumento numerário da classe média e até à uniformização da indumentária das pessoas, o que simboliza a instalação na consciência social de tendências igualitárias. No período que antecedeu a primeira guerra mundial as diferenças das condições de vida do proletariado, da classe média e das classes superiores eram mais acentuadas, facto que se reflectia na segregação bem marcada que se estabelecia em centros de convívio como, por exemplo, nas sociedades recreativas onde a selecção dos sócios era muito mais rigorosa do que é hoje. Assim, o Club Farense, só admitia proprietários abastecidos, comerciantes importantes e diplomados com cursos superiores, o Grémio Popular de Faro e a Sociedade dos Artistas eram associações das classes inferiores, dos que usavam frequentemente um fato de trabalho. Havia os senhores de colarinho engomado e as senhoras de chapéu; as mulheres do povo usavam um chaile pelos ombros e um lenço na cabeça; as de situação económica um pouco mais desafogada usavam mantilha.
No nosso tempo, as condições residenciais das pessoas continuam a depender da sua posição económica e não apenas do número de componentes familiares e do tipo de trabalho social que estes executam. Com mais forte razão, nos princípios do século a estrutura das moradias e suas condições higiénicas eram o equivalente da acentuada diferenciação social.
Nos primeiros decénios do século, eram raros os prédios de dois andares. Na zona baixa, como já disse, havia muitos de primeiro andar, embora entre estes houvesse casas térreas, tal como sucedia na Rua Direita (conselheiro Bívar, na da Cadeia (Filipe Alistão) e a até na de Santo António. As habitações térreas nem sempre eram muito pequenas: algumas chegavam a ter, além da cozinha, mais três ou quatro divisões. Uma moradia deste último tipo custava a renda mensal de quinze tostões (1500 réis) aproximadamente. Se nos lembrarmos que no tempo da Monarquia e primeiros anos da República o salário diário de um trabalhador variava entre 250 e 350 réis, chega-se à conclusão de que para o pagamento da renda de moradia eram precisos cinco dias de trabalho, mais ou menos. Os que viviam de trabalho acidental, tinham de morar em casas mais pequenas e portanto mais baratas.
Os proventos familiares derivam do trabalho do chefe de família, pois só as mulheres de famílias de recursos muito débeis trabalhavam fora de casa em serviços remunerados.
 Tal situação da mulher constituía um ideal de vida e o trabalho fora de casa era um signo de inferioridade. No entanto a partir do fim do primeiro decénio do século os velhos ideais do viver familiar entram em declínio: as raparigas, embora em pequeno número, começaram a frequentar os liceu, e desde anteriormente as escolas do magistério primário.
O trabalho doméstico, nas classes intermédias, era, frequentemente, auxiliado por uma “criada de servir”. As classes superiores utilizavam várias. Tratava-se de um pessoal de trabalho mal remunerado, sem horário de prestação de serviços, sem férias e, muitas vezes, mal instalado nas casas dos respectivos patrões.
                                                      

José Neves

domingo, 23 de junho de 2013

Faro - Recordações de um passado longínquo (1981) - Extensão geográfica da urbe; Estrutura da urbe



Recordações de um passado longínquo, in Página Cultural do Círculo Cultural do Algarve, Nov de 1981


a)    Extensão  geográfica da urbe.

 A fisionomia geográfica da urbe farense no primeiro quartel do nosso século era acentuadamente diferente do que é hoje. Já nos fins do século XIX , o facto da povoação ter sido ligada com o Alentejo, pela administração fontista, pelas estradas macadamizadas e, depois, com o Centro e Norte do país pela via férrea imprimiu-lhe uma fisionomia nova, pois foram importantes as obras de urbanização então realizadas: a norte e em torno do povoado construiu-se uma via circular de ligação entre as rodovias nacionais de leste e de oeste e os caminhos municipais de S. Luís e da Srª da Saúde – a chamada estrada da Circunvalação, além de que, na fachada oeste, houve importantes aterros para o assentamento da linha férrea e ainda a construção do edifício da estação ferroviária e vários anexos ligados ao novo meio de transporte. A ferrovia foi lançada à beira e, mesmo em parte, através da laguna, pelo que houve a necessidade da construção de uma pequena ponte e de um muro  de protecção da via, de que resultou a formação de uma doca.
Em torno da velha muralha muçulmana, que envolvia a “vila antiga”, e a linha férrea ficou uma estreita faixa transitável, deixando, assim, a Ponte- Nova de ser atingida pelas águas lagunares.
Ao alvorecer o século actual, o velho burgo estava portanto enquadrado pela estrada da Circunvalação e pelo complexo ferroviário. Mas o aglomerado urbano, embora ampliado, não atingia em toda a sua extensão os limites indicados. No campo da Trindade fora instalado o parque da Alameda e, entre o muro leste deste e o prolongamento da Circunvalação para o sítio do Bom-João, havia um espaço aberto onde, ainda em 1925, havia algumas amendoeiras; em frente da ermida de S. Luís havia um vasto campo que a Circunvalação dividia em dois sectores, um dos quais se estendia entre a Circular referida, e  parte da actual rua Teixeira Guedes. Por este último espaço aberto espraiava-se a linha de água que, vindo de diante da ermida de S. Luís e correndo a Leste da Circunvalação por um pequeno vale encaixado, se metia por sob um pontão subjacente a esta via até entrar no sistema de canalizações subterrâneas  da cidade, perto da fachada oeste do actual palácio da Justiça. Entre este último espaço aberto situado aquém da Circunvalação e a parte nascente da horta do Colégio situava-se a rua Extrema (actual João de Deus, ela extremava, de facto, a urbe a leste).
Mais adiante, para o lado Norte e NW, estendia-se um outro espaço aberto atrás da bela Igreja do Carmo. Aqui, a norte do traço da Circunvalação, ficavam os sítios do “Montinho” e alto de Rodes onde apenas havia uma fila de pequenas casas de rés-de-chão ainda hoje existentes  e que se erguiam num campo de arenito quaternário, visivelmente trabalhado pela erosão, a que vulgarmente se chamava as “barrocas”. Um pouco mais para poente e no meio do “cercado” Aboim Ascensão situava-se a “casa do cercado” ainda existente, assim como mais dois edifícios, até se chegar à estrada de Loulé.
A Circunvalação entroncava, mais ou menos a NW, com a estrada de Loulé e, na zona ferroviária, atrás do palacete Mateus da Silveira, havia um espaço sem casas onde, a partir aproximadamente do ano 8 ou 9, foi surgindo o “bairro da estação”. Ao fundo e a W de esse espaço levantava-se o edifício da fábrica de moagem.
               
b)     Estrutura da Urbe

Numa época em que o êxodo dos campos para a urbe ainda não se esboçara, o velho povoado ainda apresentava certa fisionomia rural, pois no tecido urbano havia várias hortas: a de S. Francisco, anexa à igreja da mesma invocação, com o pequeno cemitério que desapareceu ao fazer-se o traçado da R. de Infantaria 4; a da Mouraria, onde em 1914-15 se construiu o Teatro Santo António; a do Colégio, anexa ao grande edifício que fora casa da Companhia de Jesus, edifício que, posteriormente, em pleno século XIX, fora transformado no Teatro Lethes; a horta do Carmo, a W do templo deste nome e, no coração da urbe a “horta do Ramalho”, anexo à rua do Zambujeiro, hoje no Compromisso, sobre a qual se debruçava uma formosa mélia integrada na horta; e ainda, junto do convento da Srª da Assunção, já então transformado em fábrica de cortiça, uma pequena horta que tivera o seu prolongamento ao longo da muralha mourisca.
Na pequena povoação-cidade, além do núcleo genético envolvido pelas muralhas e que conserva ainda a estrutura típica  das povoações muçulmanas com as ruas circulares e seus pátios – distinguiam-se, como actualmente ainda, os grupos de arruamentos que se foram formando quando a partir do princípio do século XVI , a povoação foi transbordando para fora da antiga cerca: o grupo constituído pelas casas de habitação e armazéns que se foram alinhando a oeste do nível tirreneano de S. Pedro, com a orientação norte-sul, e de que fazia parte a rua Direita (rua “Directa”) hoje de Conselheiro Bívar, rua que tinha a sua continuação pela “Carreira”, para norte, e que conduzia à via para Loulé; os arruamentos relacionados com a rua do Rego (D. Francisco Gomes a que se segue a de Santo António); as que rodeavam a Alagoa; as que rodeavam o edifício da Sociedade dos Artistas; as que tinham surgido em torno da Igreja de S. Pedro, nas imediações da velha igreja de S. Sebastião e depois do Convento dos Capuchos.
Dominavam nos primeiros decénios do nosso século as moradias de rés-do-chão apenas, e os pavimentos das ruas eram frequentemente de terra-batida, mesmo os grandes largos, tais como os do Carmo, Poço de S. Pedro, Alagoa, praça D. Francisco Gomes, o terreiro da Sé e a praça D. Afonso III. Havia muitas ruas que não eram dotadas de canalizações subterrâneas para as águas pluviais e para o s dejectos domésticos, pelo que havia um anti-higiénico serviço municipal de recolha de tais dejectos constituído por grandes pipas que, puxadas por bois, percorriam a cidade. É que os rendimentos do município não permitiam a realização de obras dispendiosas. Em 1928 e 1929 ainda por algumas ruas se fazia a circulação das referidas pipas nauseabundas.
No fim do século XIX, na fachada oeste e SW do burgo plantou-se o jardim Manuel Bivar que foi dotado com um lago que ainda me lembro de ver, mas seco, pois não se enfrentara o problema do respectivo abastecimento de água. O esboço de uma avenida traçada na direcção da estação ferroviária, alongava-se paralelamente à doca e ao estaleiro naval situado na extremidade NW deste. Ao longo da avenida, duas filas de palmeiras, que a falta de civismo, nesse tempo, como agora, não consentiu que se fizessem adultas – punham uma nota campestre no aspecto ribeirinho do sítio. Junto da doca , em frente da Alfândega, existia um sistema de bombas de água potável ao lado das quais se erguia um barracão – o “Repeso do Carvão” – onde estavam instalados serviços fiscais da Câmara. Foi no Verão de 1910, e integrada em grandes festejos que se faziam na cidade, que teve lugar a inauguração do obelisco a Ferreira de Almeida, obra desenhada por um professor da Escola de Desenho, de nacionalidade austríaca – a figura, muito conhecida na cidade, do Sr. Haussman.
Embora dominassem como atrás disse, as moradias de rés-do-chão, na parte baixa da cidade, na Vila-a-Dentro, e na zona de S. Pedro havia muitas habitações de 1º andar que eram, em geral, pertença de proprietários rurais que se haviam instalado no burgo. Eram edifícios com uma estrutura típica característica de tais moradores: um andar nobre residencial (raramente dois andares), um rés-do-chão para recolha de produtos do campo e um grande quintal para resguardo de carros com compartimentos anexos para os animais. Assim eram, por exemplo, as casas do cônsul Crispim na Rua de S. Pedro, o Palácio Bívar, a casa manuelina da esquina da Rua do Compromisso com a travessa do Capitão-Mor, etc.
Mas nesses primeiros anos do século, na Rua da Cadeia (que liga o largo de S. Pedro com o antigo largo, hoje de Ferreira de Almeida, onde se situava a cadeia), na Rua Direita, e até na Rua de Santo António, havia ainda, moradias térreas. Em pleno centro urbano, nos primeiros anos do século ainda se podiam observar vestígios do grande sismo do meio do século XVIII – tais eram as ruínas que rodeavam o “quintalão às escuras” situado no ângulo em frente da frontaria da casa manuelina da Rua do Compromisso. Pelo estado de degradação em que as observei, penso que os edifícios que se alinham na travessa do Capitão-Mor entre a casa manuelina e a Rua do Prior serão de época pouco posterior ao terramoto ou talvez de antes. Assim sucederá com outras edificações situadas a norte e contíguas à horta do Ramalho.

c) Arrabalde da urbe


Para além da Circunvalação, o arrabalde da povoação estendia-se até a uma distância difícil de precisar mas que não ia além de dois quilómetros. Seguindo de leste para oeste, essa zona começava  na Atalaia e Rio-Seco e desdobrava-se até à linha férrea. No entroncamento da estrada de S. Luís com a de Olhão, junto da ribeira das Lavadeiras erguia-se uma barraca onde funcionários do fisco municipal anotavam as entradas de mercadorias sujeitas a imposto, como, por exemplo, o vinho. Seguia-se a ermida de S. Luís, com o Espaldão, mancha de solo estéril arenítico, onde se situava o cemitério, a ermida de Santo Amaro, a carreira militar de tiro e uma casa, ainda existente, que servia de paiol de pólvora e que se ergue num terreno que se designava Alto da Forca;  a oeste da referida fila de casas de rés-do-chão, ainda existente, estendia-se o “cercado” Aboim Ascensão com a sua moradia solarenga e, a seguir, uma outra no início da estrada da Srª da Saúde. Depois de se encontrar mais uma casa de quinta, que ainda não foi destruída, começava a estrada de Loulé, no início da qual havia mais uma barraca do fisco municipal. Para quem saía da povoação. À esquerda desta estrada havia o “cercado” Ventura Coelho, a que se seguia uma oficina de carros, uma fábrica de preparação de cortiça em prancha com uma portada de linhas barrocas e que teria constituído a entrada de uma quinta aí existente; seguia-se a casa de 1º andar onde hoje está instalado um consulado, uma oficina de ferreiro e, seguidamente, um amplo edifício habitado por famílias de poucos recursos económicos; em frente, e separando da estrada algumas hortas, já existiam algumas casas, incluindo uma velha capela anexa a uma moradia de linhas nobres ainda existente. É nesta sessão que fica a casa das “figuras”.
Em Marchil havia casas e, de um e outro lado da estrada. O terreno de sapal alto, com as suas “abertas” e a sua vegetação holófita, só pelos fins do primeiro quartel do século começou a ser agricultado; era através de esse sapal que corria a ribeira de Marchil cujo assoreamento posterior é notório. Sob a acção humana principalmente, foi-se verificando a modificação pedológica da referida zona de sapal. Trata-se, afinal, de um facto que foi ocorrendo, através dos séculos, em extensas zonas de formação lagunar e onde actualmente se pratica uma agricultura intensiva.
A oeste da linha e já dentro da zona lagunar distribuíam-se vários moinhos de maré ligados à terra por um pequeno troço de caminho.
Os edifícios de essas pequenas fábricas hidráulicas, com as suas respectivas “caldeiras”, ainda existem, embora aplicados a outros fins. Desapareceu, porém, o pitoresco edifício do moinho da Atalaia, junto da chamada Praia dos Estudantes, assim chamada depois de 1908, data em que o Liceu foi instalado em edifício construído junta da Alameda João de Deus.

                                                                                                                           
 José Neves                                                            

sábado, 22 de junho de 2013

Fotos JN - Construção da ponte da Arrábida.


A ponte da Arrábia, comemora no dia 22 de Junho de 2013 o seu 50º aniversário. A sua construção tem início em Março de 1957 e foi a primeira ponte totalmente portuguesa: o projecto foi concebido e orientado pelo Engenheiro Edgar Cardoso.
"Cena de trabalho no Douro. Construção da ponte da Arrábida. Início do arco"
"A ponte da Arrábida em construção. Ponta sul do arco."