José de Jesus Neves Júnior (1901-1982)
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Faro - Recordações de um passado longínquo - A actividade funcional da cidade
e) A
actividade funcional da cidade
A população
abastecia-se de água tirada de poços públicos que havia distribuídos pela
cidade: o poço de S. Pedro, o de S. Sebastião, o do largo do Pé-da Cruz, o do
caminho de ferro situado num caminho que corria a leste da casa de recolha das
máquinas, e ainda o da Ribeira provido de bombas instaladas, nos primeiros anos
séculos, junto da doca e a sul do Repeso do Carvão. Havia ainda noras, situadas
no arrabalde, que contribuíam para o abastecimento citadino: a da horta do Peres,
no Bom-João e a da horta do Cachola no início da entrada de Ilhão, numa quinta
contígua à Vila Pinto. Muitas pessoas abasteciam-se directamente nos poços
indicados, mas havia profissionais da distribuição da água – eram os “aguadeiros”
que utilizavam para o efeito cântaros metálicos ou de barro transportados em
carros apropriados. A água do Peres e a do Cachola era mais cara, nem só pela
distância do centro citadino a que estavam esses poços, mas ainda pela fama de
boa qualidade que essas águas possuíam. Mais ou menos em 1914 ou 15, um
comerciante de iniciativa mandou abrir um poço no sítio do Bom-João cuja água
era conduzida por um sistema de canalizações para um centro fornecedor situado
junto ao largo do Pé-da Cruz e ainda para outro centro situado junto da doca
para fornecimento aos barcos. O comerciante Machado conseguira, assim, dar uma
solução quase perfeita a um problema que
se impunha resolver.
Quanto havia
incêndios na área da cidade ou no arrabalde, o sino do arco da vila tocava a
rebate. A pequena cidade entrava em alvoroço: acorriam muitas pessoas e os
aguadeiros lá iam também para abastecer os depósitos das bombas utilizadas
pelos bombeiros.
Além de
pequenos estabelecimentos de venda de frutas, hortaliças, vinho e, muitas
vezes, carvão de madeira, havia junto do Hospital da Misericórdia, um mercado –
a “praça da verdura”, no local onde hoje se situa o banco de Portugal; e junto
da doca, a SW, erguia-se a “praça do peixe”. O abastecimento da população
citadina era ainda feito por vendedores ambulantes que, com os seus pregões
anunciadores da mercadoria da mercadoria que traziam, punham uma nota pitoresca
no silêncio reinante: eram os vendedores de mariscos, os de frutas, os de
hortaliças, os serranos que vendiam mel (“merca meli, oh senhoras!”), os que
vendiam louça de barro (“há bô loiça”), os que vendiam óculos e lunetas, os que
vendiam tecidos que transportavam às costas, em trouxas (“fino”); pela tarde,
pachorrentas, chegavam as vacas leiteiras e, pelo caminho, os camponeses que as
conduziam iam vendendo copos de leite ordenhado em plena rua. Outra fonte de
abastecimento situava-se nas estalagens da Rua do Peixe-Frito, onde ao princípio
da noite chegavam carregamentos de caça, trazida da serra ou do Barrocal e
transportada ao dorso de muares.
A vasta zona
hortícola que se estende a norte dos morros areníticos que circundam a urbe e
por onde em tempos remotos se distribuíam esteiros lagunares era já nos
princípios do século o principal foco de abastecimento da praça da verdura. De
manhã cedo, filas de pequenos carros de tracção animal e de burros dirigiam-se
carregados para o referido mercado. Pelo dia, o silêncio citadino era
interrompido pela sineta da praça do peixe que anunciava, para efeitos da lota,
a chegada de barcos carregados de pescado.
A cidadezinha
de proprietários rurais, de funcionários do Estado ou do Município e de
artífices não possuía instalações fabris importantes além da fábrica de moagem
perto da estação ferroviária, da de cortiça, instalada no antigo convento da
Srª da Assunção, de uma outra também de cortiça na entrada da Srª da Saúde, de
uma de conservas de peixe no largo de S. Francisco, junto da muralha e de uma
grande estância de madeiras e serração no largo do Carmo. Espalhadas pela
cidade, existiam pequenas oficinas artesanais: na rua da Carreira (hoje Infante
D. Henrique), que era uma via de acesso e de saída da povoação, a seguir ao
grande prédio da Casa de Saúde para doentes sifilíticos, onde actualmente estão
instalados parte dos serviços das Caixas de Previdência, havia uma oficina de
segueiro, e, já fora do âmbito urbano, à saída para Loulé, havia as citadas
oficinas de carros de carga, de ferreiro e a pequena fábrica de cortiça. Da rua
Direita havia três oficinas de latoeiro. Para a época a obra de lata
desempenhava funções importantes: os baldes para tirar água, as caldeiras para
dar de beber ao gado, os cântaros e muitos objectos de cozinha eram de lata ou
de folha de zinco.
Havia então
um importante comércio de importação e de exportação que se fazia pelo porto. Em frente do edifício da alfândega e junto da
doca acumulava-se, a sul do barracão de Repeso do Carvão, as mercadorias que
iam ser embarcadas ou chegavam. Desde os fins do século XVI, com a decadência
do porto de Tavira, o movimento portuário farense acentuara-se. Não obstante o
movimento de transportes ferroviários, muitas mercadorias continuavam a ser
movimentadas por via marítima. No referido local da beira da doca, nos dois
primeiros decénios do século, viam-se acumulados montões de molhos de palma e
de esparto, e, em certos dias, havia uma actividade desusada: eram os dias de
carregamento de alfarrobas, de amêndoas e de figos, frutos que os comerciantes
da rua Direita exportavam para as portas do Norte da Europa e até para os
Estados Unidos. Grandes embarcações (as “barcas”) construídas no estaleiro
existente a norte da doca, junto à linha férrea, conduziam as mercadorias de ou
para fora da barra onde ancoravam os cargueiros de longo curso.
A rua Direita
era, então, o foco citadino das relações comerciais com a Inglaterra
(Liverpool, Hull), com Anvers, Rotterdam, Amesterdan, Hamburgo, Barcelona,
Marselha: além do grande escritório de um componente da numerosa colónia
judaica situado no rés-do-chão do palácio Bívar e junto da entrada da rua do
Peixe-Frito, mais para norte, havia mais seis escritórios de comércio
exportador.
***
As
actividades funcionais a que nos referimos eram realizadas à custa de um
esforço que se dilatava desde cedo até à noite. Não havia horário de trabalho.
Os estabelecimentos comerciais estavam abertos até às 23 horas, pelo que os
empregados depois do jantar, que nesse tempo era ao meio da tarde, regressavam
às suas actividades. Ao Domingo, dia em que muitos camponeses se deslocavam à
cidade para se abastecerem, os estabelecimentos estavam abertos na parte da
manhã. Nem os empregados de escritório tinham o Domingo como dia completo de
descanso, pois admitia-se que poderia chegar qualquer correspondência a que
fosse necessário dar resposta imediata.
Com a
implantação da República, os governos foram ao encontro das velhas aspirações
dos trabalhadores, decretando-se as oito horas de trabalho e o descanso
semanal, disposições que, aplicadas nalguns casos imediatamente, em breve foram
sendo esquecidas. Só à custa dos movimentos grevistas do proletariado foram, a
pouco e pouco, sendo cumpridas. Em 1920 ainda o velho regime de trabalho estava
em uso: nesse ano ainda se viam escritórios comerciais abertos ao Domingo, na
parte da manhã e mesmo até ao meio da tarde.
A população
que assim trabalhava não dispunha dos meios de distracção que hoje há. O cinema
só apareceu pela primeira vez em Faro em 1907 ou 1908. Na praça D. Francisco Gomes,
foi erguido, junto da doca, um grande barracão, pintado de vermelhão e
iluminado a luz eléctrica produzida por dínamo accionado por um pequeno motor
de explosão. Este barracão em breve foi substituído, no mesmo local, por outro
com melhores condições pintado de azul-claro, mas que também não teve grande
duração, pois em 1910 foi demolido por
causa das festas da cidade e da inauguração do monumento a Ferreira de Almeida.
Num dos anos seguintes construiu-se, ainda de madeira, um grande cinema – o teatro-circo
– em terrenos da horta da Mouraria o edifício de cinema e teatro ainda hoje
existente.
No decurso do
primeiro quartel do século havia grupos ambulantes de artistas de teatro que
levantavam barracas no largo da Lagoa, onde apresentavam os seus espectáculos
ora melodramáticos, ora cómicos e, ao ar livre, pela tarde, na praça D.
Francisco Gomes exibiam-se, às vezes, grupos de palhaços. Tais grupos de
modestos artistas instalavam-se nas pequenas hospedarias e estalagens da rua do
Peixe-Frito. Era também aí que se instalavam os homens dos ursos que,
percorrendo as ruas da cidade, faziam bailar estes animais ao som de um pandeiro
que percutiam ritmicamente. Aí se instalavam os que percorriam as ruas com os
realejos, que eram pequenos pianos instalados sobre um carro puxado por um
burro.
Num dos
primeiros anos a seguir à implantação da República foi inaugurada na cidade a
iluminação eléctrica o que permitiu que, à noite, principalmente as ruas de
Santo António e D. Francisco Gomes passassem a ter animação desusada, o mesmo
sucedendo com o jardim Manuel Bívar que foi dotado com arcos voltaicos. O caminho-de-ferro,
primeiro, a seguir a nova iluminação pública que substituiu a que se fazia com
candeeiros de petróleo e o desenvolvimento da viação automóvel foram
modificando profundamente a vida citadina.
A povoação silenciosa
dos primeiros anos do século, e que assim se mantivera desde tempos remotos, foi
cedendo o lugar a um centro populacional de trânsito intenso e cheio de ruídos
desagradáveis. Era tal o culto que havia pelo silêncio que a Câmara autorizava
que se espalhassem raspas de cortiça diante das residências dos doentes para,
assim, ser amortecido o ruído dos carros de tracção animal que passavam.
Com a
iluminação nova desaparecia o ambiente romântico das noites luarentas, e os
ruídos das actividades novas amorteciam as revoadas sonoras dos sinos das
igrejas. Ficara assim perdida nas profundezas do tempo histórico a aldeia
grande que a cidade fora durante séculos, com as suas hortas, com os pregões
dos comerciantes ambulantes e com as suas ruas ermas e silenciosas.
José Neves
sexta-feira, 28 de junho de 2013
Faro - Recordações de um passado longínquio - A estrutura social da cidade
d) Estrutura social
da cidade
Depois destas
recordações dos factos geográficos citados, debrucemo-nos sobre a estrutura
social e sobre a actividade funcional da cidade. No decurso dos oitenta anos do
século, a evolução social, embora não se tenha traduzido pelo desaparecimento
de classes de base económica, tem conduzido, ao aumento numerário da classe
média e até à uniformização da indumentária das pessoas, o que simboliza a
instalação na consciência social de tendências igualitárias. No período que
antecedeu a primeira guerra mundial as diferenças das condições de vida do
proletariado, da classe média e das classes superiores eram mais acentuadas,
facto que se reflectia na segregação bem marcada que se estabelecia em centros
de convívio como, por exemplo, nas sociedades recreativas onde a selecção dos
sócios era muito mais rigorosa do que é hoje. Assim, o Club Farense, só admitia
proprietários abastecidos, comerciantes importantes e diplomados com cursos
superiores, o Grémio Popular de Faro e a Sociedade dos Artistas eram
associações das classes inferiores, dos que usavam frequentemente um fato de
trabalho. Havia os senhores de colarinho engomado e as senhoras de chapéu; as
mulheres do povo usavam um chaile pelos ombros e um lenço na cabeça; as de
situação económica um pouco mais desafogada usavam mantilha.
No nosso
tempo, as condições residenciais das pessoas continuam a depender da sua
posição económica e não apenas do número de componentes familiares e do tipo de
trabalho social que estes executam. Com mais forte razão, nos princípios do
século a estrutura das moradias e suas condições higiénicas eram o equivalente
da acentuada diferenciação social.
Nos primeiros
decénios do século, eram raros os prédios de dois andares. Na zona baixa, como
já disse, havia muitos de primeiro andar, embora entre estes houvesse casas
térreas, tal como sucedia na Rua Direita (conselheiro Bívar, na da Cadeia
(Filipe Alistão) e a até na de Santo António. As habitações térreas nem sempre
eram muito pequenas: algumas chegavam a ter, além da cozinha, mais três ou
quatro divisões. Uma moradia deste último tipo custava a renda mensal de quinze
tostões (1500 réis) aproximadamente. Se nos lembrarmos que no tempo da
Monarquia e primeiros anos da República o salário diário de um trabalhador
variava entre 250 e 350 réis, chega-se à conclusão de que para o pagamento da
renda de moradia eram precisos cinco dias de trabalho, mais ou menos. Os que viviam
de trabalho acidental, tinham de morar em casas mais pequenas e portanto mais
baratas.
Os proventos
familiares derivam do trabalho do chefe de família, pois só as mulheres de
famílias de recursos muito débeis trabalhavam fora de casa em serviços
remunerados.
Tal situação da mulher constituía um ideal de
vida e o trabalho fora de casa era um signo de inferioridade. No entanto a
partir do fim do primeiro decénio do século os velhos ideais do viver familiar
entram em declínio: as raparigas, embora em pequeno número, começaram a
frequentar os liceu, e desde anteriormente as escolas do magistério primário.
O trabalho
doméstico, nas classes intermédias, era, frequentemente, auxiliado por uma “criada
de servir”. As classes superiores utilizavam várias. Tratava-se de um pessoal
de trabalho mal remunerado, sem horário de prestação de serviços, sem férias e,
muitas vezes, mal instalado nas casas dos respectivos patrões.
José Neves
domingo, 23 de junho de 2013
Faro - Recordações de um passado longínquo (1981) - Extensão geográfica da urbe; Estrutura da urbe
a) Extensão
geográfica da urbe.
A
fisionomia geográfica da urbe farense no primeiro quartel do nosso século era
acentuadamente diferente do que é hoje. Já nos fins do século XIX , o facto da
povoação ter sido ligada com o Alentejo, pela administração fontista, pelas
estradas macadamizadas e, depois, com o Centro e Norte do país pela via férrea
imprimiu-lhe uma fisionomia nova, pois foram importantes as obras de
urbanização então realizadas: a norte e em torno do povoado construiu-se uma
via circular de ligação entre as rodovias nacionais de leste e de oeste e os
caminhos municipais de S. Luís e da Srª da Saúde – a chamada estrada da
Circunvalação, além de que, na fachada oeste, houve importantes aterros para o
assentamento da linha férrea e ainda a construção do edifício da estação
ferroviária e vários anexos ligados ao novo meio de transporte. A ferrovia foi
lançada à beira e, mesmo em parte, através da laguna, pelo que houve a
necessidade da construção de uma pequena ponte e de um muro de
protecção da via, de que resultou a formação de uma doca.
Em torno da
velha muralha muçulmana, que envolvia a “vila antiga”, e a linha férrea ficou
uma estreita faixa transitável, deixando, assim, a Ponte- Nova de ser atingida
pelas águas lagunares.
Ao alvorecer
o século actual, o velho burgo estava portanto enquadrado pela estrada da
Circunvalação e pelo complexo ferroviário. Mas o aglomerado urbano, embora
ampliado, não atingia em toda a sua extensão os limites indicados. No campo da
Trindade fora instalado o parque da Alameda e, entre o muro leste deste e o
prolongamento da Circunvalação para o sítio do Bom-João, havia um espaço aberto
onde, ainda em 1925, havia algumas amendoeiras; em frente da ermida de S. Luís
havia um vasto campo que a Circunvalação dividia em dois sectores, um dos quais
se estendia entre a Circular referida, e parte da actual rua
Teixeira Guedes. Por este último espaço aberto espraiava-se a linha de água
que, vindo de diante da ermida de S. Luís e correndo a Leste da Circunvalação
por um pequeno vale encaixado, se metia por sob um pontão subjacente a esta via
até entrar no sistema de canalizações subterrâneas da cidade, perto
da fachada oeste do actual palácio da Justiça. Entre este último espaço aberto
situado aquém da Circunvalação e a parte nascente da horta do Colégio
situava-se a rua Extrema (actual João de Deus, ela extremava, de facto, a urbe
a leste).
Mais adiante,
para o lado Norte e NW, estendia-se um outro espaço aberto atrás da bela Igreja
do Carmo. Aqui, a norte do traço da Circunvalação, ficavam os sítios do
“Montinho” e alto de Rodes onde apenas havia uma fila de pequenas casas de
rés-de-chão ainda hoje existentes e que se erguiam num campo de
arenito quaternário, visivelmente trabalhado pela erosão, a que vulgarmente se
chamava as “barrocas”. Um pouco mais para poente e no meio do “cercado” Aboim
Ascensão situava-se a “casa do cercado” ainda existente, assim como mais dois
edifícios, até se chegar à estrada de Loulé.
A
Circunvalação entroncava, mais ou menos a NW, com a estrada de Loulé e, na zona
ferroviária, atrás do palacete Mateus da Silveira, havia um espaço sem casas
onde, a partir aproximadamente do ano 8 ou 9, foi surgindo o “bairro da
estação”. Ao fundo e a W de esse espaço levantava-se o edifício da fábrica de
moagem.
b) Estrutura
da Urbe
Numa época em
que o êxodo dos campos para a urbe ainda não se esboçara, o velho povoado ainda
apresentava certa fisionomia rural, pois no tecido urbano havia várias hortas:
a de S. Francisco, anexa à igreja da mesma invocação, com o pequeno cemitério
que desapareceu ao fazer-se o traçado da R. de Infantaria 4; a da Mouraria,
onde em 1914-15 se construiu o Teatro Santo António; a do Colégio, anexa ao
grande edifício que fora casa da Companhia de Jesus, edifício que,
posteriormente, em pleno século XIX, fora transformado no Teatro Lethes; a
horta do Carmo, a W do templo deste nome e, no coração da urbe a “horta do Ramalho”,
anexo à rua do Zambujeiro, hoje no Compromisso, sobre a qual se debruçava uma
formosa mélia integrada na horta; e ainda, junto do convento da Srª da
Assunção, já então transformado em fábrica de cortiça, uma pequena horta que
tivera o seu prolongamento ao longo da muralha mourisca.
Na pequena
povoação-cidade, além do núcleo genético envolvido pelas muralhas e que
conserva ainda a estrutura típica das povoações muçulmanas com as
ruas circulares e seus pátios – distinguiam-se, como actualmente ainda, os grupos
de arruamentos que se foram formando quando a partir do princípio do século XVI
, a povoação foi transbordando para fora da antiga cerca: o grupo constituído
pelas casas de habitação e armazéns que se foram alinhando a oeste do nível
tirreneano de S. Pedro, com a orientação norte-sul, e de que fazia parte a rua
Direita (rua “Directa”) hoje de Conselheiro Bívar, rua que tinha a sua
continuação pela “Carreira”, para norte, e que conduzia à via para Loulé; os
arruamentos relacionados com a rua do Rego (D.
Francisco Gomes a que se segue a de Santo António); as que rodeavam a Alagoa;
as que rodeavam o edifício da Sociedade dos Artistas; as que tinham surgido em
torno da Igreja de S. Pedro, nas imediações da velha igreja de S. Sebastião e
depois do Convento dos Capuchos.
Dominavam nos
primeiros decénios do nosso século as moradias de rés-do-chão apenas, e os
pavimentos das ruas eram frequentemente de terra-batida, mesmo os grandes
largos, tais como os do Carmo, Poço de S. Pedro, Alagoa, praça D. Francisco
Gomes, o terreiro da Sé e a praça D. Afonso III. Havia muitas ruas que não eram
dotadas de canalizações subterrâneas para as águas pluviais e para o s dejectos
domésticos, pelo que havia um anti-higiénico serviço municipal de recolha de
tais dejectos constituído por grandes pipas que, puxadas por bois, percorriam a
cidade. É que os rendimentos do município não permitiam a realização de obras
dispendiosas. Em 1928 e 1929 ainda por algumas ruas se fazia a circulação das
referidas pipas nauseabundas.
No fim do
século XIX, na fachada oeste e SW do burgo plantou-se o jardim Manuel Bivar que
foi dotado com um lago que ainda me lembro de ver, mas seco, pois não se
enfrentara o problema do respectivo abastecimento de água. O esboço de uma avenida
traçada na direcção da estação ferroviária, alongava-se paralelamente à doca e ao
estaleiro naval situado na extremidade NW deste. Ao longo da avenida, duas
filas de palmeiras, que a falta de civismo, nesse tempo, como agora, não
consentiu que se fizessem adultas – punham uma nota campestre no aspecto
ribeirinho do sítio. Junto da doca , em frente da Alfândega, existia um sistema
de bombas de água potável ao lado das quais se erguia um barracão – o “Repeso
do Carvão” – onde estavam instalados serviços fiscais da Câmara. Foi no Verão
de 1910, e integrada em grandes festejos que se faziam na cidade, que teve
lugar a inauguração do obelisco a Ferreira de Almeida, obra desenhada por um
professor da Escola de Desenho, de nacionalidade austríaca – a figura, muito
conhecida na cidade, do Sr. Haussman.
Embora
dominassem como atrás disse, as moradias de rés-do-chão, na parte baixa da
cidade, na Vila-a-Dentro, e na zona de S. Pedro havia muitas habitações de 1º
andar que eram, em geral, pertença de proprietários rurais que se haviam
instalado no burgo. Eram edifícios com uma estrutura típica característica de
tais moradores: um andar nobre residencial (raramente dois andares), um
rés-do-chão para recolha de produtos do campo e um grande quintal para
resguardo de carros com compartimentos anexos para os animais. Assim eram, por
exemplo, as casas do cônsul Crispim na Rua de S. Pedro, o Palácio Bívar, a casa
manuelina da esquina da Rua do Compromisso com a travessa do Capitão-Mor, etc.
Mas nesses
primeiros anos do século, na Rua da Cadeia (que liga o largo de S. Pedro com o
antigo largo, hoje de Ferreira de Almeida, onde se situava a cadeia), na Rua
Direita, e até na Rua de Santo António, havia ainda, moradias térreas. Em pleno
centro urbano, nos primeiros anos do século ainda se podiam observar vestígios
do grande sismo do meio do século XVIII – tais eram as ruínas que rodeavam o “quintalão
às escuras” situado no ângulo em frente da frontaria da casa manuelina da Rua
do Compromisso. Pelo estado de degradação em que as observei, penso que os
edifícios que se alinham na travessa do Capitão-Mor entre a casa manuelina e a
Rua do Prior serão de época pouco posterior ao terramoto ou talvez de antes. Assim
sucederá com outras edificações situadas a norte e contíguas à horta do
Ramalho.
c) Arrabalde da urbe
Para além da
Circunvalação, o arrabalde da povoação estendia-se até a uma distância difícil de
precisar mas que não ia além de dois quilómetros. Seguindo de leste para oeste,
essa zona começava na Atalaia e Rio-Seco
e desdobrava-se até à linha férrea. No entroncamento da estrada de S. Luís com
a de Olhão, junto da ribeira das Lavadeiras erguia-se uma barraca onde
funcionários do fisco municipal anotavam as entradas de mercadorias sujeitas a
imposto, como, por exemplo, o vinho. Seguia-se a ermida de S. Luís, com o
Espaldão, mancha de solo estéril arenítico, onde se situava o cemitério, a
ermida de Santo Amaro, a carreira militar de tiro e uma casa, ainda existente,
que servia de paiol de pólvora e que se ergue num terreno que se designava Alto
da Forca; a oeste da referida fila de
casas de rés-do-chão, ainda existente, estendia-se o “cercado” Aboim Ascensão com
a sua moradia solarenga e, a seguir, uma outra no início da estrada da Srª da
Saúde. Depois de se
encontrar mais uma casa de quinta, que ainda não foi destruída, começava a
estrada de Loulé, no início da qual havia mais uma barraca do fisco municipal.
Para quem saía da povoação. À esquerda desta estrada havia o “cercado” Ventura
Coelho, a que se seguia uma oficina de carros, uma fábrica de preparação de
cortiça em prancha com uma portada de linhas barrocas e que teria constituído a
entrada de uma quinta aí existente; seguia-se a casa de 1º andar onde hoje está
instalado um consulado, uma oficina de ferreiro e, seguidamente, um amplo
edifício habitado por famílias de poucos recursos económicos; em frente, e
separando da estrada algumas hortas, já existiam algumas casas, incluindo uma
velha capela anexa a uma moradia de linhas nobres ainda existente. É nesta
sessão que fica a casa das “figuras”.
Em Marchil
havia casas e, de um e outro lado da estrada. O terreno de sapal alto, com as
suas “abertas” e a sua vegetação holófita, só pelos fins do primeiro quartel do
século começou a ser agricultado; era através de esse sapal que corria a
ribeira de Marchil cujo assoreamento posterior é notório. Sob a acção humana
principalmente, foi-se verificando a modificação pedológica da referida zona de
sapal. Trata-se, afinal, de um facto que foi ocorrendo, através dos séculos, em
extensas zonas de formação lagunar e onde actualmente se pratica uma
agricultura intensiva.
A oeste da
linha e já dentro da zona lagunar distribuíam-se vários moinhos de maré ligados
à terra por um pequeno troço de caminho.
Os edifícios
de essas pequenas fábricas hidráulicas, com as suas respectivas “caldeiras”,
ainda existem, embora aplicados a outros fins. Desapareceu, porém, o pitoresco
edifício do moinho da Atalaia, junto da chamada Praia dos Estudantes, assim
chamada depois de 1908, data em que o Liceu foi instalado em edifício
construído junta da Alameda João de Deus.
José Neves
sábado, 22 de junho de 2013
Fotos JN - Construção da ponte da Arrábida.
A ponte da Arrábia, comemora no dia 22 de Junho de 2013 o seu 50º aniversário. A sua construção tem início em Março de 1957 e foi a primeira ponte totalmente portuguesa: o projecto foi concebido e orientado pelo Engenheiro Edgar Cardoso. ![]() |
"Cena de trabalho no Douro. Construção da ponte da Arrábida. Início do arco" |
![]() |
"A ponte da Arrábida em construção. Ponta sul do arco." |
segunda-feira, 10 de junho de 2013
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